Há muitos vaidosos nesta terra. A vaidade não tem mal nenhum, se dela
não vier ao mundo nada pior do que a vã vaidade. Mas faz mal ao estômago, que
tenta gente tão estúpida se arrogue tanta importância. Com sentido de humor
conseguimos encarar o ridículo das situações. Com bondade consegue-se perdoar
aos vaidosos mais engraçados, geralmente de maior idade. Esses, se são
vaidosos, têm outros atributos, como a loucura, a insanidade descomplexada e o
excentrismo, a suavizar-lhes os traços; de modo que, ao serem tão estupidamente
loucos, deixamos de os considerar estúpidos, para os passar a considerar
excêntricos loucos, cómicos, brilhantes. O pior de tudo são os velhos sérios, e
todos os que não têm um pingo de loucura, de invenção, e se julgam senhores supremos deste minúsculo paraíso. Não
acrescentam nada ao universo a não ser uma constelação de vaidades,
incrementadas por um suposto que lhes é conferido pelas regras das quais são
argumentos e motivos de existência.
Enquanto os outros são verdadeiramente senis, estes são verdadeiramente
ridículos, e pior que tudo, tornam ridícula toda uma plateia de aplausos que
fazem um ser razoável, e com muita vontade de rir, sentir-se sozinho ante a
portentosa bandeira da razão, da arte, da cultura, da política, da ciência, do
saber, da civilização inteira!… São tão grandes e frequentes os espectáculos da
vaidade, da mania da intelectualidade, da mania da diferença, da mania da
inteligência, da mania do conhecimento, da mania… da mania de ser idiota, que dá
vontade de chorar. Interrogamos pessoas inteligentes, ou pelo menos que nós
consideramos, para ver se não pensam também assim, e se não têm de contrair o
impulso do riso ou oprimir no peito o escárnio, ao ver semelhantes
imbecilidades serem elevadas aos cumes da civilização do lugar, de modo a
tornarem ainda mais inflamado o ego que as produz. Quantas vezes já não saiu
dessas interrogações um desapontamento total, ou pelos menos parcial, doseado
de muita indiferença, perante qualquer tipo de espectáculo, até o mais
rocambolesco! Daí que ficamos sós, como únicos espectadores de uma cena onde
todos participam, de uma maneira ou de outra, inclusive nós, com o nosso
silêncio perante a manifesta imbecilidade, que de tão calado é aceitação de que
se elevem os burros ao céu das estrelas perenes de uma ou duas épocas, que não
duram mais que isso, por norma que também tem alguma excepção. Chegamos a
duvidar se não haverá injustiça no nosso julgamento, se não será vaidade pior
estarmos sempre a ver burros pentear as orelhas frente aos espelhos da época,
se não estaremos a ser ainda mais burros e vaidosos ao inflamar o ego no nosso
auto-espectáculo do desprezo. Mas não! Haja razão! Há coisas que não podem
caber na cabeça de ninguém. Não vale a pena entrar na auto-crussificação que
resultará por ventura em vaidade pior que a “normal” e da qual se sai ainda
mais insane que os insanes “normais”. Há vaidades e vaidades, e há tanta gente
elevada que devia rastejar, que por não sabermos porque estão em cima do palco
a ladrar, não quer dizer que não sejam uns autênticos rafeiros, sobretudo os
que pensam que não, os que nem sequer duvidam que lhes possa acontecer! Há
coisas que não vamos engolir sem soluçar.
Com este livre trânsito do espírito, poderemos, mais facilmente, passar sem
grandes dores, sobre tantos filmes opressores, sobre tantas vãs vaidades, que
em memória delas restarão estátuas de vacuidades.
Tanto livro escrito, tanto dinheiro gasto, tanta, tanta coisa, tanto
espectáculo encenado, tanto discurso feito, tanta assembleia municipal, e das
outras, tantos esgares de génios, tanta gente tão louca, que é livre, porque dá
ganha, de nos rirmos desalmados por tantos doutores errados, que no trânsito
ainda nos apanham a nós a uma cena que representaremos sós, num palco de aleluia,
rindo e sonhando acima da nossa vaidade e vacuidade, que o que interessa é a
vida e o que ela tem de divertida.
Texto escrito no ano 2000
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