Começa por não ser uma opção. Nasce-se aqui, deste lado da fronteira espanhola e deste lado do mar. Não é coisa que doa quando se nasce e pode nem chegar a ser quando se é criança. Depois vai-se acreditando, com todo a força da juventude, com todos os sonhos intactos - os nossos e os que julgamos comungar com os restantes aqui nados e criados. A dor vai-se instalando aos poucos – reagimos, mandamos calar os velhos, todos os velhos… e sonhamos, acreditamos em ser… em ser tudo o que um povo quer. Cada desilusão é um risco na nossa fé. Cada frustração é uma marca negra na nossa esperança. Os nossos sonhos pessoais guardamos no baú do esquecimento e, como se nunca houvéssemos sonhado, vamos vivendo, um dia atrás do outro, como dizem os saberes e os livros. No fim dos mês recebemos o salário. Depois gastamos o salário. Bebemos uns copos, comemos umas iguarias e ficamos a ver o baile que, invariavelmente, é composto por pessoas bastante anormais ou já muito alcoolizadas. Depois vem outro mês e ao fim de muitos vêm todos os anos… Queríamos só uma pequena alegria, uma grande alegria, uma bocadinho de fé… e lá estamos nós outra vez, embrenhados na esperança, a rezar por todos os poros da alma por tudo o que sabemos que nunca mais teremos… e que já nem sabemos, ao certo, se alguma vez tivemos. Aprendemos que não vale a pena ser optimista. Vamos para casa. Fechamos a porta e choramos, porque já não podemos mais. Passamos a compreender os velhos e aprendemos, facilmente, a maledicência. Como nos dói! Olhamos para as tabelas e lá estamos nós – em último, ou pelos menos a dar para o fim. Nada mais importa. Encolhemos os ombros, mãos na cara, não há mais fé, nem mais café – para ninguém, ouviram! Baixemos os braços e encaremos – é tudo vão, todo o sonho é vão…
Bem sabemos como começaram a ser tolhidas,
bem cedo, as nossas esperanças privadas, moldadas à tradição dos castradores, e
daí podemos tirar lições para tudo o resto. Começa-se por não se bonito, por
não ser rico, por não ter roupas boas, e tem um gajo de se esforçar o dobro, e
o se o dobro é vão baixemos os braços então. Os mesmo bons vão embora, os
medíocres reinam e nós não sabemos por que não ficámos em casa. Ninguém quer
saber do nosso jeito, da nossa vontade, enquanto outros são levados ao colo. Mas
não, não nos desculpamos e, durante muitos anos, ao acordar, todas as manhãs,
sentimo-nos os últimos dos mortais – incompetentes, indolentes, idiotas. Mas
haja razão! Não, a culpa não morrerá solteira, mas está comprovado,
cientificamente, que não é minha. Vislumbra-se, no horizonte, uma oportunidade.
Por vezes arriscamos mudar de vida, só por arriscar, sem acreditar e sem
vontade. Há outras, mais esporádicas, em que dizemos – era mesmo aquilo que eu
faria bem, melhor do que ninguém. É preciso não perder o pé. Estamos aqui,
neste “nico” de terra, à beira mar espetado. Na bandeja surge outro postal,
apropriado para o local – mais um súbdito de um rei que vê numa terra de cegos.
Sim senhor, não senhor – é para isso que servem os que sobem na vida à
custa de outras coisas, para além da sorte e da capacidade. Quando são
espertos, para além das boas maneiras, e já que perderam a honra, ao menos vão
ficar com o bolo. Trazem por isso, uma faca escondida do bolso, estilo
“palaçoula”. Também há os meninos bons – que são os do costume.
Fecho a porta. Não quero saber. Não me
telefonem. Não aguento mais. Tanto burro doutor, tanto senhor… A desculpa! Eles
sempre têm uma boa desculpa, filosófica para ser bonita e ninguém a
compreender, como ninguém a pode compreender. Aos leões - mandemos tudo aos
leões, os empregados e os patrões, as esperanças privadas e colectivas, que já
nem de esperanças se falava, mas de certezas e triunfos. Báh! Conseguiram – sim
eu sou incompetente, um idiota, estou aqui com um discurso quase intragável e
indecifrável. Chamem as vacas! Chamem os bois, pelos nomes, que eu não sei como
se chamam esses cabrestos todos da manada, mas que aqui vai um gado, lá isso
vai…A ministra recta, correcta, que nos quer pôr
a pão e água e nós até aceitávamos, mas mais uma vez é só para alguns – o pão e
a água -, dá na televisão. Sempre a mesma coisa… sempre a levarmos nas orelhas…
Ou é Carnaval ou é Quaresma! Mas só é para alguns, tanto a Quaresma como o
Carnaval. Tudo porque alguém tem culpa, mas não está preso, continua lá e nós
aqui. Que se lixe! Se em troca tivéssemos só uma alegriazinha - ser os
primeiros, nalguma coisa! Sofremos por sermos de onde somos (e quem somos),
porque sabemos, consciente ou inconscientemente, que já fomos, durante um
mísero meio século muito distante (ou toda a infância), os primeiros, e desde
então não temos passado do fim da tabela. Em vez de investirmos no nosso
sangue, para ser grandes e ter alegria, damos cabo de nós todos os dias em
favorecimentos absurdos e sistémicos a mancos de todas as profissões. Quando
temos esperança, porque temos motivos, é morta por um bando de burros soltos
das lojas, das universidades, das escolas, das máquinas, dessa maldita e inútil
ganadaria. Desliga a televisão. Se quiserem acabar com ela que acabem! Não me
perguntem a opinião! Não volto a votar… a votar em ninguém… ouviram? Não contem
comigo. Sim, se houver guerra, talvez... Caso contrário não. Mas qual guerra!
Guerra não haverá, mas se houver, podemos estar certos de uma só coisa - vamos
perder. Chamem-me portuga, derrotista! Sim! Quero-vos contra mim a não a
aceitar o que digo. Não é fácil perder toda a fé de uma vez! Coisa maldita! Não
é fácil ser… português.Texto escrito em 2000
Texto visionário, se escrito em 2000, quando ainda procissão não havia saído do adro... A mediocridade continua a reinar, as esperanças, parece que mais mortas que nunca, e, em resultado de tudo isso, o denso nevoeiro de uma crije sem fim à vista... Porquê? talvez agora se perceba a razão do processo de estupidificação e de erecção ao poder dos líderes fracos e ignorantes (com alguns finaços, nas finanças, que esses, Senhor, não lhes perdoeis porque sabem bem o que fazem...). É o vento da "globalização" - o outro nome do capitalismo - a varrer o orbe, mais devastador em paízecos tipo a Tugalândia... Todavia, ser-se "portuga" é ser-se habilidoso na arte da sobrevivência - quem inventou a palavra "desenrascanço"? - são quase 9 séculos disto: improviso, regabofe, ressaca, desespero, até suicídio ("son un Pueblo de suicidas" - Unamuno), bajulanço, intriga, inveja, safe-se quem puder, vamos lá outra vez, até os comemos, queres fiado?-toma! ... é o Zé...o Zé Povinho, o ti Zé Tuga, com ou sem palaçoula no bolso. Assim somos, haveremos de sobreviver, acho eu.
ResponderEliminarAbrço e parabéns por mais este naco de bela prosa.