sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

As novidades de Pedro



Neste pequeno país do planeta terra, esta semana as novidades foram o sucessor de Pedro na capa de uma revista de música dos sempre novos, o macaco pomposo e que subiu na hierarquia social pela escada onde subiram muitos, não se sabe como, e a manutenção, ou não, ou mais ou menos, neste século, de rituais de passagem da menoridade a outro estágio qualquer. É muito aborrecido este país. Chama-nos a atenção Pedro e a ânsia da macacada (a que pertencemos, deixemos isso claro) por novidades. Está tudo tão cansado da velha Santa Madre Igreja Católica e Apostólica, que sem outras melhores, ou que pareçam melhor, ela parecer trazer algo de novo abre centelhas de uma velha esperança aos ocidentais. Na verdade desde Jesus não nos parece que traga algo de novo, em larga escala, mas deve haver algo que explique esta ânsia de que Pedro seja mais bem perecido, mais atractivo para os que sofrem, que no fundo somos todos. O “cristão-católico-agnóstico” anseia uma religiosidade, o regresso do seu ser místico, tempo para o sagrado numa vida consumida em ofícios para ganhar dinheiro para pagar ao banco. Estes ser (solteiro, casado ou divorciado que considera isso da comunhão e da confissão uma data de irrelevantes rituais velharias que nada acrescentam ou subtraem à sua vida) olha para a sua velha família, liderada por um Pedro abstracto e infalível, à procura desse tempo perdido para avistar a face de deus, ou de um deus. Sabe que de todas só a sua velha família está “inscrita no seu corpo”, desde quando tinha ainda a pele tão terna que qualquer inscrição era possível. Mas deverá estar à procura em lugar errado, cremos. Pedro continua a não nos dizer muito. Poderá mudar tudo: tornar as mulheres “pedras”, deixar descendentes… é-nos indiferente. Adstritos ao que está inscrito em nós, encontraremos o tempo sagrado mais facilmente em qualquer velório de velha da nossa aldeia, numa oração repetida em conjunto por um povo que já só se congrega como antes quando os últimos dos seus filhos regressam à pura condição de matéria orgânica. É na orgânica profunda destas inscrições que se vão perder que os novos pastores deveriam procurar as ovelhas tresmalhadas do rebanho que não lhes pertence. Contudo, com pastores totalmente desacreditados (sim, não repararam? agradeçam terem colocado humanos no lugar de Deus) o pastor máximo nunca será o bastante. Mais papa menos papa, com novos ou velhos pedros, a Igreja católica e as suas missinhas dominicais é enfadonha e nunca deixa de parecer artificial (distante do essencial). Talvez seja ou não uma questão de pastores. É curioso que todos possam ser pedras, mas andar a pastar rebanhos seja só para alguns. Será por uma questão corporativa? Outro dado curioso é a Igreja não deixar de ser no consciente colectivo um monumento povoado com homens de saias, debruadas a ouro e fios de seda. Já tinha chegado à conclusão de que as missas ortodoxas me pareciam melhores. Sabemos ler e escrever, vemos televisão, lemos livros, temos Internet… Quem quer saber a interpretação bíblica de um rapazito de saias num altar? Diz-se, ainda por cima: “deus visível”. Credo! Se deus mede um metro por 60 e pesa 60 quilos não dá para acreditar que possa com um lenho grosso em cima das costelas, de Jerusalém ao Calvário!  A “representação” é algo muito complexo e essa complexidade não foi tida em conta pelos reformadores do século XX. Nem um santo de verdade se aguentaria. Sim, talvez um santo se aguente nesse altar onde o colocaram. Mas têm todos de ser santos? São todos santos? Já ouvi o povo mais simples e católico dizer que é esse homem, colocado no lugar desse deus imaginário e compassivo, desse pai menino, dessa criança irmã e gémea da nossa alma solitária, que afasta “as pessoas da Igreja”. Contrapõem os altos sacerdotes do “sinédrio” que isso é ter uma fé infantil, mas também há quem diga para deixar aproximar as crianças. Não será antes uma das características da fé ser algo que só uma criança tem? Não será a infância, mesmo do homem adulto e formado, que seguiu a vida mais razoável e cumpre “o seu dever”, o que lhe permite também uma aproximação a Deus? Aos deuses todos! Se pensar com a razão, os seus conhecimentos, a sua história, não terá razões de sobra para mandar à fava as igrejas todas e os pregadores, beatos ou “impuros”, para o Inferno? Se não são crianças, uma humanidade criança a sonhar com um Pedro melhor, mais perfeito e, ao mesmo tempo, menos santo e irascível como esses histéricos da nova santidade do século XX, quem será? Os que sempre foram católicos? Sim, esses sim, mas também nunca deixaram a casa. Não disse Jesus para procurar os perdidos?  Tretas, toda a gente sabe que Cristo é uma boa marca, para quem a usa em seu proveito. Contudo não é por isso que deixamos de ser cristãos e católicos, de acreditar em Cristo, não por fé, por acreditar, mas porque faz parte de nós, é da nossa casa, é nossa Herança. Deixaremos nós alguma herança?

Humanos estreitos



Este PC aqui (sim, porque não tenho dinheiro para o mandar para o lixo e comprar aquele do fruto que fez tombar a humanidade no vale de lágrimas), está-me sempre a perguntar se a NSA está de olho em mim. Quer que compre uma cena qualquer anti-espionagem. Se isso, a NSA, ou outra série americana qualquer, está de olho em mim, então certamente anda a gastar pestanas como velas em ruins defuntos. Os alalis todos, o chinos e companhia e os que também amam os filhos são suficientes para ocupar as 24 horas do dia a todos os sobrinhos do tio Sam. Obama, estás à vontade… eu acredito que educação e saúde devem custar a todos a diferença entre um ser humano e um deus ou uma besta. Tirando isso talvez não seja o petróleo o mais inflamável valor, mas ajudava deixar sem cheta os que não mudaram nem em mil anos. Ou estão iguaizinhos, ou pioraram, em relação a 711 da era cristã. Claro que por aí história com mais de 200 anos é pré-história. Em plena era mitológica, o teu novo reino catita não tem, claro está, noção da lei da gravidade, que se aplica aos corpos celestes, como às civilizações. Os teus deuses vivem num verão permanente, nesse El Dorado onde corre leite e mel. Talvez alguns acreditem que o caminho é sempre em frente e que no dia do juízo a humanidade do teu lado poderá embarcar na nave espacial de Major Tom, em direcção a uma nova casa. Eu não acredito que seja capaz de romper os ciclos naturais, de se impor ao inverno que sempre vem, como as trevas para o tempo das estrelas, mas acredito, não por fé, mas pela lógica, que depois destas estrelas haverá outras e que depois de todas tudo será como era no princípio (agora e sempre).
Talvez um dia, (agora e sempre, antes ou depois) um macaco qualquer num planeta igual ou apenas um pouco diferente, caia do galho de uma árvore e levante a cabeça e abra os olhos até à linha do horizonte. Ser tão pouco é isto, que ter medo de correr a rir pela superfície plana de uma esfera porque nos apetece, porque é o nosso modo de celebrarmos “a queda” da árvore do desconhecimento do bem e do mal; ter medo por causa do rei dos macacos, do macaco dominante, do deus entre nós, nos faz querer entregar a vida ao “criador”, dizer ao deus para ser servido e fazer deste chão sepultura. Como vês não sou um perigo: eu sonho naves arcas que levem o melhor de nós, o Bem, até ao fim dos tempos, como no Princípio. Diz-me tu, enjaulada fera o que é a vida sem passar as mãos pelo orvalho da savana? Sem a esperança de que, se a humanidade não se safa, pelo menos tem algo belo, toca a divindade, sonha a superação de todas as suas falhas? O que vale este sopro no peito a que chamam coração? Não queremos nenhuma revolução, nem fazemos parte da nenhuma resistência. Ser livre é para nós poder sonhar com uma humanidade melhor, menos humana, menos macaca, menos bestial, mais divina. É uma ideologia? Uma utopia. Contudo tanta beleza foi já construída, paredes meias com o jardim dos suplícios. Parece ironia desta condição monstruosa que todo o paraíso só seja concebível em oposição ao seu inverso.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Glosa à Liberdade de FP



Aí que prazer
Não cumprir o dever
Ter uma notícia em primeira-mão
E dá-la ao cão!
Informação é maçada,
A notícia não era nada.
O sol doira
Porque não lê o jornal.

O rio corre, bem ou mal,
Sem directo para o canal.
E a brisa, essa,
Por ser naturalmente matinal,
Se tem tempo, não interessa…

Notícias são palavras, pintadas com tinta.
O acontecimento é uma coisa indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, mesmo sem bruma,
Esperar ganhar um milhão
Quer se ganhe ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas já não se pode dizer que são também as crianças...
Flores, música, o luar, e o sol transtornado
De alteração declarada em comunicado.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não via o telejornal
E lançou uma marca universal…

Dizem as rãs



Dizem as rãs que coaxam, no lago luso afundado, que o melhor é cantar esta, uma ou outra música, que nem precisa ser fado. Mas toda gente sabe que as rãs não dizem nada, se falassem eram pessoas, não eram rãs.
Dizem os ratos que guincham, na cave da casinha portuguesa, que desta vida pequenina só se leva uma certeza. Com certeza os ratos não falam, se falassem eram pessoas. É uma metáfora, pois claro! Mas não se esquecem que há mais ratos que gente e gatos. Isso não é metáfora.
Dizem as pulgas que saltam, contra a extinção enfadadas, que a pátria de Camões sofre um assalto, que deixa gentes sem falas. Claro que sou eu que o digo, não as pulgas. As pulgas saltam para comer. Não subestimem, por isso, o animal, que é isso que todos fazemos, dependendo por cima de quem ou do quê saltamos afinal.
Dizem os cães que ladram, quando a caravana dos ladrões passa, que o melhor era marcá-los à dentada funda, sem mordaça. Sim, os cães ladram, mas a caravana passa. Com ou sem ladrão a tentá-lo, o cão, ao fim do dia, vai para casa, com o rabinho entre as pernas, depois da manifestação do ser cão. Os entes que têm um cão em si fazem igual, mas quando se trata de ser gentes ficam na cama, que a alma é pequena e nada vale a pena...
Com pena sinto ainda o rouxinol, cantando ao sol, como se séculos e séculos tivessem sido em vão... mais séculos virão, para quem ou o quê vierem, sem nada que o explique. Então para quê falar tanto e pôr os seres a falar? Para entreter o tédio, para melhorar o mundo? Se o mundo fosse melhor, seria com certeza melhor.
Diz-me sempre a traça escura que o mal vem. Literalmente. É um sinal. Cada um pode ter, em democracia, a superstição que entender, mesmo que seja considerada coisa de iliteracia.

Quando eu morrer



Quando eu morrer quero ser só pó, sem sangue... Quando morrer quero morrer para sempre. Não, não quero a eternidade, nenhuma eternidade... só a música efémera das bordas das tuas lágrimas salgadas, quentes correntes de mar onde te abraço no fundo do azul, sem dor dentro, no lugar secreto e reservado do seio; o lugar onde se forma a vida de onde não queria ter despertado para ter consciência, nervos, ossos, músculos, veias... Molha-me o pó de lágrimas e adormece-me ao som da música com perfume de rosas em cabelos molhados, para fazer ondinhas, ondinhas do mar, nesse arrepio de sentir a vida pela última vez... dá-me, dá-me um arrepio de Bem antes de meu corpo gelar e regressar à terra, ao pó das estrelas... 

Sim, quando morrer quero morrer para sempre e não, não quero voltar, sempre igual, sempre a mesma,  sempre com a alma em chagas e chamas... não, não me dês sangue de Cristo... nenhum sangue, nem vida eterna.

Deus criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis, do Bem e do Mal, da natureza cruel, não quero a tua criação: para sempre a mesma coisa, este veio da matéria, este desassossego do sangue, esta convulsão de vómitos, esta dor... E a beleza que vejo? E a música? E o arrepio... deixa, deixa tudo isso por favor... Não vês que nada vale a pena, que o nada é sempre melhor do que alguma coisa, que o vazio é mais viável? Simples, fácil, nem precisa compreensão... Não, não te sintas só, povoado de demónios... Sim o tédio... Entretém-se de outro modo. Cria só seres sem história ou desenhos animados. Deixa-me, ou explica-me as coisas. Não, não entendo nada... só o facto da matéria comer a matéria para se tornar em outra coisa... para quê? Para que os poetas vivam, porque a beleza só se vê de houver um contrário? O bem se tiver um mal, o prazer na dor, a estética no sofrimento? Deixa-me em paz... Dá-me um sono, um sono profundo e não, não quero mais isto... adormece-me já! Quero passar as tardes todas da eternidade a dormir. Não gosto de jogar às pedrinhas, já disse que não gosto! Não gosto de jogo nenhum que eu jogue. Cria futebol. Vê futebol. Deixa só os jogadores de futebol ou de outro jogo qualquer e vai vê-los para sempre, no estádio da eternidade.